O Supremo Tribunal Federal (STF) validou a incidência do Imposto de Renda (IR) sobre depósitos bancários. A decisão vale para os casos em que a Receita Federal presumir que tais valores tratavam-se de receita ou faturamento e houve uma omissão por par- te da pessoa física ou jurídica. Para escapar da cobrança, o contribuinte é quem precisará provar que essas quantias não representaram ganhos.
Advogados dizem que as autuações com base nos depósitos bancários ganharam força depois que os ministros, no ano de 2016, permitiram a transferência de infor-mações entre as instituições financeiras e a Receita Federal.
Quando verifica que há diferença entre os valores tributados e as movimentações fi-nanceiras de determinada pessoa ou em-presa, a fiscalização intima esse contribuin-te a apresentar extratos bancários. Se os documentos não forem entregues, então, há a opção de buscar os dados diretamente com as instituições financeiras.
Nesse caso, o contribuinte é intimado a comprovar a origem dos depósitos feitos em sua conta bancária. Caso não apresente a comprovação ou as provas sejam rejeita-das, haverá autuação com base na presun-ção de que aqueles depósitos são receitas tributáveis. A pessoa física fica sujeita ao Imposto de Renda somente, já as empre-sas respondem por IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.
Os ministros analisaram esse tema por meio do Plenário Virtual. O julgamento terminou na sexta-feira e tem repercussão geral (RE 855649). O recurso foi apresentado por um contribuinte pessoa física.
Segundo consta no processo, um casal atuava como uma espécie de factoring e as movimentações financeiras na conta corrente, que era conjunta, decorreram de depósitos em cheques, dinheiro ou títulos oriundos de clientes.
O contribuinte alega que a quantia, portanto, não era dele. Mas, para a Receita Federal, a comprovação da origem dos valores não foi “satisfatoriamente esclarecida”. Ele foi autu-ado, com base nas demonstrações financei-ras, presumindo-se ter havido a omissão de receitas.
Essa discussão se dá em torno do artigo 42 da Lei nº 9.430, de 1996. Consta nesse dispositivo que “caracterizam-se omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em con-ta de depósito ou de investimento mantida junto à instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regu-larmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações”.
O advogado Paulo Gomes de Souza, que atua para o contribuinte no caso, pediu aos minis-tros que esse artigo fosse declarado incons-titucional. “Por inobservância do princípio da capacidade contributiva e da inexistência de lei complementar para a regulamentação do fato gerador do Imposto de Renda”, diz em vídeo enviado à Corte.
De acordo com ele, antes da lei de 1996, os auditores da Receita Federal se preocupavam em demonstrar a ocorrência do acréscimo pa-trimonial ao lançar as cobranças. Depois da lei, afirma, passaram a entender que estavam desobrigados a investigar a respeito do fato gerador de imposto.
Já Flávia Palmeira de Moura Coelho, da Pro-curadoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), argumentou aos ministros que o artigo 42 não instituiu uma tributação sobre os depósitos bancários. “O que fez foi permitir a tributação sobre um acréscimo patrimonial que não foi declarado pelo contribuinte”, diz ela também em vídeo.
A procuradora acrescenta que os depósitos bancários “são um indício de que há omissão de rendimento” e que o artigo 42 “impõe um ônus probatório ao contribuinte”. Não haveria, portanto, segundo a PGFN, nenhuma inconsti-tucionalidade nas cobranças.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, votou contra a tributação. Ele considerou, como ques-tão principal, a inversão do ônus da prova. “Não cabe presumir o excepcional, ou seja, que todos são sonegadores. Cumpre ao Fisco averiguar se há, por trás dos indícios, a riqueza suspeitada, a real percepção de renda, a ensejar imposto”, afirma em seu voto. Somente Dias Toffoli, no entanto, acompanhou o entendimento.
A maioria seguiu a divergência aberta pelo mi-nistro Alexandre de Moraes. Ele, assim como a PGFN, entende que não houve, com o artigo 42 da Lei nº 9.430, a ampliação do fato gera-dor do Imposto de Renda. “Ao contrário, trouxe apenas a possibilidade de se impor a exação quando o contribuinte, embora intimado, não conseguir comprovar a origem de seus rendi-mentos”, diz no voto.
Pensar diferente, segundo Moraes, “permitira a vedação à tributação de rendas cuja origem não foi comprovada, na contramão de todo o siste-ma tributário nacional, em violação aos princí-pios da igualdade e da isonomia”.
Especialista em tributação, Raphael Lavez, só-cio do Rivitti e Dias Advogados, avalia que a inversão do ônus da prova – aceita pelos minis-tros do STF – coloca o contribuinte numa situa-ção de vulnerabilidade. “Porque uma coisa é ele ter que provar a origem do recurso, outra é se a Receita Federal vai aceitar”, afirma.
A maioria das justificativas dos contribuintes, nesses casos dos depósitos, segundo o advo-gado, são os contratos de empréstimo – uma situação que não gera receita, já que a pessoa ou empresa é obrigada a devolver o dinheiro. E ele chama a atenção que a Receita Federal não aceita, por exemplo, os contratos de mútuo que não estejam registrados em cartório. “Só que na Lei de Registros Públicos, o contrato de mútuo não consta entre os que precisam ser registrados”, complementa.
Notícia publicada originalmente pelo jornal Valor Econômico em 03 de maio de 2021.